domingo, 23 de setembro de 2012

É possível ser um profissional multitarefa?

Mesa com papéis


Ser multitarefa virou exigência básica para trabalhar. Mas, por trás desse lugar-comum, há mais de uma maneira de realizar muitas coisa


São Paulo - Ler um anúncio de vaga de emprego transformou-se em uma atividade das mais angustiantes. A descrição de funções de alguns cargos chega a sufocar. Veja, por exemplo, o que o Facebook exige dos candidatos ao cargo de executivo de contas de clientes para a américa latina, com base em São Paulo: desenvolver a estratégia de vendas, estabelecer metas para vendedores, dar apoio a projetos da matriz e comunicar resultados claramente. São 14 responsabilidades ao todo.
Quando alguém se depara com uma vaga como essa, logo lembra que hoje o mercado valoriza o chamado profissional multitarefa, aquele capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo — afinal, só assim para dar conta do trabalho.
Ao notar o pavor que seus alunos expressavam diante da necessidade de se desdobrar em muitos, a pesquisadora Keri Stephens, professora de comunicação da universidade de austin, no Texas, decidiu aprofundar-se num estudo sobre o assunto, publicado em janeiro deste ano. Após analisar 63 estudantes da instituição em dois grupos focais, Keri identificou que as pessoas se comportam de três maneiras distintas na hora de lidar com atividades no trabalho.
Há aquelas capazes de realizar várias coisas ao mesmo tempo; as que assumem muitas tarefas e as organizam em sequência, fazendo uma de cada vez; e aquelas que preferem concentrar-se em uma coisa só. “O importante é descobrir qual é o seu estilo”, diz Keri, explicando que conhecer o próprio perfil permite ao profissional escolher melhor seu emprego e levar uma vida mais produtiva e menos estressante.
Pouca gente se encaixa, segundo a pesquisadora, na imagem popular do multitarefa, aquele que de fato faz tudo ao mesmo tempo. A maior parte (45% dos entrevistados) declara a preferência por ter tarefas múltiplas, mas acaba optando por organizá-las em uma fila. São os multitarefa sequenciais. “Esse é o tipo dominante”, diz Keri. Os participantes da pesquisa eram jovens estudantes universitários, justamente os que são mais estimulados a fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Mesmo entre eles, ficou evidente o desconforto com a exigência de se desdobrar em papéis diversos. Resta o monotarefa, profissional que busca a perfeição numa única atividade.
Esse gosta de dedicar dias (ou até meses) a um trabalho. Para esse grupo, o uso da fantasia de polivalente significa um consumo altíssimo de energia — é quem mais sofre com o predomínio do padrão multitarefa. Para esse perfil, o destino parece ser o trabalho solitário, típico de especialistas. “São funções que exigem concentração”, diz Keri.
Fábio Nabozni, de 37 anos, gerente nacional de vendas da Novartis, e Maria Priscila Alves, de 30 anos, diretora da agência de comunicação Mapa, são casados e demonstram preferência por trabalhos de atividades múltiplas. A forma como fazem isso, porém, é diferente. Ela toca tudo simultaneamente. “Faço várias coisas ao mesmo tempo para não deixar nenhum trabalho pendente”, diz Maria Priscila. Já Fábio se encaixa no perfil do multitarefa sequencial. “
"Programo o dia para fazer uma coisa de cada vez e delego tarefas para não deixar nada incompleto” diz Fábio. Cada tipo de profissional tem seu lugar no mercado de trabalho. O multitarefa simultâneo é mais voltado para a troca de informações e ideias, a colaboração e a interação. Do sequencial é de se esperar maior análise, planejamento e decisões estratégicas. Os monotarefas costumam ser bons em funções que exigem alto nível de especialização, precisão e paciência e, em tese, devem ficar longe de cargos de gestão.
“Há oportunidades para diferentes perfis em diferentes tipos de emprego e de empresa”, diz Beatriz Collor, responsável pela área de recrutamento e seleção da Crossing BPI, de São Paulo, que procura evitar o discurso-padrão de que bom é o multitarefa simultâneo. “Banalizou-se a ideia de que todos precisam de um profissional multitarefa, o que não é necessariamente verdade”, afirma Beatriz. A headhunter menciona que recentemente contratou um especialista em impostos para uma multinacional europeia.
O profissional era totalmente monotarefa, metódico e acostumado a trabalhar só, tanto que pediu uma sala isolada. Semanas após a contratação, o RH da empresa reclamou, dizendo que o especialista falava baixo e era introspectivo demais. Beatriz concordou. “Foi justamente por isso que o escolhi”, diz ela. A organização ficou com ele.
Para quem almeja cargos de gestão, no entanto, a capacidade de executar múltiplas atividades é de extrema importância, pois é necessário administrar entregas de outros profissionais. “A tendência é que essa competência seja cada vez mais requerida e exigida de executivos”, diz Bárbara Will, diretora de recrutamento da Business Partners Consulting. Um exemplo extremo e bem atual são os executivos de startups e de companhias que estão iniciando operações no país, lugares em que o negócio ainda não foi estruturado em torno de processos e áreas. “O mesmo profissional toma decisões estratégicas enquanto sai para escolher carpete”, diz Bárbara.
A evolução tecnológica é apontada como um dos fatores para o aumento do número de atividades no trabalho. Redes e equipamentos de comunicação facilitam a troca de informações, mas as atividades ainda levam tempo para ser executadas. Só que as empresas atropelam os prazos constantemente. “Trat se de um paradoxo organizacional”, diz Dulce Penna Soares, professora do departamento de psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. “Se o chefe pede para resolver um problema e você se recusa porque tem de terminar um relatório, ele acha ruim”, afirma ela. “Mas, se não terminar o que já está fazendo, você também será considerado incompetente”, diz.

Fonte: exame.abril.com.br 

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